Ruptura hidráulica é o processo de perda da resistência ou da estabilidade de uma massa de solo por efeito das forças de percolação. Em outras palavras, quando a água possui energia suficiente para que, ao percolar, consiga desestruturar ou desestabilizar o solo, cabe ao engenheiro verificar e evitar que isso ocorra.
Um dos tipos de ruptura hidráulica que podemos citar é o fenômeno da areia movediça. Você deve se lembrar de toda a coisa mística que existe sobre o assunto… Muitos falam que se você entrar na areia movediça, você é sugado e morre. Ou que todos os poços de areia movediça são extremamente fundos. Nenhuma destas duas afirmações é verdadeira, tá? É, você não afunda totalmente em um depósito onde se desenvolva a condição de areia movediça porque o corpo humano é menos denso do que esse meio. Além disso, de um modo geral, esses locais não ultrapassam 1 m de profundidade, o que também impede de você afundar totalmente, a não ser que você tenha uma altura menor do que esta.
Mas, vamos voltar ao que é técnico. A areia movediça não é um tipo especial de solo. É simplesmente uma areia através da qual ocorre um fluxo ascendente de água sob um gradiente hidráulico igual ou maior que o crítico.
O que ocorre é a perda de resistência do solo arenoso decorrente da redução das tensões efetivas devido a esse fluxo ascendente. Assim, quando a força de percolação gerada se iguala às forças geostáticas efetivas e há um fluxo ascendente de água, junto a um gradiente hidráulico suficientemente elevado, o atrito entre os grãos diminui e eles passam a se mover com facilidade. Isso faz com que o solo não sustente mais nenhum peso.
E não querendo estragar os filmes no Indiana Jones que você já assistiu, o fenômeno tem uma explicação bem pautada por teorias aqui deste mundo mesmo. Você ainda precisa saber que a ocorrência de areia movediça na natureza é rara, e que o homem é quem pode criar esta situação em suas obras com grande frequência. Por exemplo, se você construir uma barragem de terra sobre a fundação na qual se tem uma camada de areia fina acima de uma camada de areia grossa.
A água do reservatório de montante percolará, preferencialmente, pela areia grossa e sairá a jusante através da areia fina com fluxo ascendente. Aí, com certeza, você precisa verificar a ocorrência do fenômeno. Ou, por exemplo, no caso de você realizar uma escavação em areia saturada com o rebaixamento do nível de água para permitir a execução dos trabalhos. O rebaixamento pode criar o fluxo ascendente e também lhe causar problemas. Enfim… você tem areia e tem fluxo ascendente, então, cuidado para não criar um cenário de filme de ação dos anos 80.
O outro tipo de ruptura hidráulica resulta do carreamento de partículas do solo por forças de percolação elevadas. Esse fenômeno é conhecido por “piping”. É comum este fenômeno ocorrer, por exemplo, na saída da água no talude de jusante de uma barragem de terra. O que ocorre é que neste ponto as tensões axiais são pequenas, o que resulta em valores baixos da força de atrito entre as partículas, o que torna possível estas serem arrastadas pelas forças de percolação.
Uma vez iniciado, esse processo se desenvolve um uma erosão interna, que pode levar ao colapso da estrutura. Foi isso que aconteceu na barragem de Tenton, nos Estados Unidos. A solução de barramento de terra projetada em aterro zonado com 94 m de altura, tinha aproximadamente 1 km de comprimento de coroamento e o reservatório com capacidade de 355 milhões de m³ de água. Em 1976, no dia da ruptura, foi visto na face jusante da barragem o carreamento de partículas de solo. Às 10:45 da manhã os especialistas foram chamados para verificar o risco e foram perguntados sobre o que deveriam fazer.
E mesmo antes deles chegarem, às 11:55 da manhã, a barragem que havia custado cerca de 14 milhões de dólares se rompeu, deixando além deste prejuízo financeiro, 11 funcionários mortos. Você pode pensar: “Ah, mas isso foi há muitos anos. Hoje já se conhece bem o fenômeno e não acontece mais…”. Mas infelizmente, quando projetos não são bem elaborados e verificados isso pode acontecer, sim. Cabe a nós, profissionais da área realmente fazermos com que este lamentável incidente fique mesmo só nas obras do passado.
Bom, para fecharmos este Podcast, vou deixar uma última dica: sabendo que são graves os problemas que podem resultar da ocorrência de forças de percolação elevadas, concordamos que é imprescindível o controle destas forças em uma obra de terra. Como fazer esse controle? Basicamente, por dois procedimentos: a redução da vazão de percolação e a combinação da adoção de dispositivos de drenagem.
Autoria: Flávia Gonçalves Pissinati Pelaquim
Revisão: Alana Dias de Oliveira